Começar, se manter, transformar

Um relato pessoal.

Em minha trajetória profissional dentro da análise do comportamento, diversas vezes me deparei com o sofrimento alheio que não era tão alheio assim. Como mãe de uma criança autista, já experienciei muito das situações e emoções que meus clientes relatam durante o treino parental e posso dizer com segurança que isso faz com que eu oscile entre dois polos, o da empatia e compaixão e o da fuga e esquiva. Contudo, por que eu me mantenho aqui? Analista do comportamento dirão...reforço.

Buscando explicações em meus estudos e experiência profissional, compartilho neste texto alguns pensamentos e reflexões sobre o porquê eu faço o meu trabalho e o porquê eu acredito no meu trabalho. Em minhas leituras confirmo o que vejo e sinto, sobre os impactos do diagnóstico de TEA sob a qualidade de vida da família, pode-se dizer que a sobrecarga nos cuidados com este filho, a falta de acesso a um tratamento efetivo, a gravidade dos sintomas, a falta de suporte e o abandono da vida social culminam em níveis mais altos de depressão, angústia e stress parental. A depressão do cuidador pode ser especialmente prejudicial em torno do diagnóstico e tratamento, pois diminui a adesão destes pais. Como isso é visto e abordado pelos profissionais?

O treino parental se mostra efetivo em pesquisas, mas quando olho para os colegas de profissão e para mim mesma, vejo que o treino parental ainda é visto como um desafio maior do que o próprio trabalho clínico com o autista. Por qual motivo? Ouso dizer, que ao olhar para a dor do outro é mais difícil deixar de perceber a si mesmo, isso porque quando vemos a dor do outro, ela nos lembra das nossas próprias dores ou dificuldades de lidar com elas, o risco aqui é se perder na evitação. Quando estamos a evitar sofrer, nos ocupamos sofrendo por estar sofrendo e assim corremos o risco de perder de vista o que está à nossa frente, os pais, o cliente e nós mesmos.

Quando conseguimos clarificar o que está acontecendo bem diante de nós, é possível notar nossas próprias ações e aí talvez seja um pouco mais fácil, mais palpável para atuar, você começa a perceber novas possibilidades e então, pode ser que você se disponha mais a tentar fazer diferente.

No meu trabalho com pais, mesmo entrando em contato com o sofrimento, eu tento me manter abraçada a este desconforto e olhando em volta, assim tenho percebido que outras coisas também acontecem junto a este desconforto, como por exemplo ver o progresso de um cliente a partir de uma orientação minha, sentir as mais diversas sensações e emoções que derivam disso e muito mais. Eu acredito que o que eu ganho fazendo o que eu faço, não tem preço e se eu posso passar pelo desconforto e seguir com ele e ainda assim viver coisas lindas, isso me faz acreditar que é possível para esses pais também.

Eu desejo que este texto possa te auxiliar como um ponto de vista, vá e viva o seu presente.